3 - A  FAMÍLIA MARANHÃO

 

             No ano de 1909, eu cursava o grupo escolar “Dr. Cardoso de Almeida”.

            No trajeto para a escola, costumava passar em frente à cadeia. Era ali onde está a sede do B.T.C. Chamava-se Cadeia Nova, porque a velha, aquela que existira no largo de Santa Cruz ( hoje Praça Emílio Peduti ),fora demolida. Nas idas e vindas, eu via o Carcereiro lidando com os presos. Revistas nos presos, revista nos visitantes, sentinelas de armas embaladas, me impressionavam.

             O Carcereiro era o preto João Sabino de Oliveira, mais conhecido por João Maranhão. Pouca gente sabia o nome exato do homem. Até nos autos de processos crimes, quando executava um mandado de prisão,ele escrevia: “ Arecebi o prezo costante do mandado supra e recolhi no xadreiz – O carcereiro, João Maranhão”.

              Essa ortografia típica, numa letrinha miúda e tremida, de quem mal e mal fora alfabetizado, poderá ser vista nos arquivos do Fórum local. João Sabino nasceu no Maranhão e daí seu apelido. Nascido em 1890, quando moço veio para o sul. Para São Paulo, a província que atraia braços de todos os recantos. Como tropeiro  e carroceiro dos Cardoso, fincou pé em Botucatu. Aqui se casou e constituiu família. E prosperou também.

               Aos poucos, economizando e aplicando seus minguados capitais em imóveis, tornou-se bem situado na vida. Quando faleceu, em avançada idade, era proprietário da casa onde sempre residiu, na rua Áurea ( atual Cardoso de Almeida ), n.913. Era dono de várias casas de aluguel, de uma boa chácara no Tanquinho e de algum dinheiro. Mas o seu maior capital, foi a educação que deu aos filhos. Formou todos.

             João Mário ( o Joãozinho Maranhão ) diplomou-se em Farmácia. O outro rapaz, o José Nilo, era Contador. As duas filhas eram Professoras normalistas. Delas fui contemporâneo e calouro. Acompanhei suas vidas no magistério. E posso testemunhar os excelentes serviços prestados ao Estado na alfabetização e educação da infância brasileira. Trabalharam longos anos na zona rural e, depois na cidade.

               As Professoras Emília Roquilha de Oliveira e Elvira Marciana de Oliveira, já são falecidas, não há muito tempo. E deixaram bom nome  como Professoras do ensino primário; assíduas, dedicadas, eficientes, serviram com dignidade a causa pública. É justo, pois, que nestas memórias, eu dê o testemunho do trabalho altamente meritório que realizaram nos longos anos de magistério.

                Dos filhos homens, apenas o João Mário está vivo. É funcionário municipal. O outro, o José Nilo, que era funcionário do Departamento dos Correios e Telégrafos, faleceu há  tempo, muito moço.

              O velho João Maranhão, morreu em avançada idade, aposentado. Fora nomeado Carcereiro em 1907, mais ou menos. No no período republicano e antes dele, tenho notícias de que carcereiros tinham sido: João Lopes, envolvido na morte de Quinzote, ao tempo do Capitão Tito; Calistinho, que depois foi Oficial de Justiça; Antonio Francisco, que foi antecessor do Maranhão. Esses os homens responsáveis pela guarda dos hóspedes da “casa amarela”, que costumavam ver o sol nascer quadrado. . .

              João Maranhão era bom carcereiro. Tanto para o Estado, porque zeloso e honesto, como para os detentos, aos quais tratava com humanidade. Poucas fugas se verificaram durante os longos anos de função. De uma tentativa de evasão fui testemunha ocular, nunca me esqueço do episódio que aqui vai narrado.

               No ano de 1919 eu fazia parte do TG 523. Como o destacamento policial era reduzido, os rapazes do TG eram solicitados para colaborar no policiamento, por ocasião de festas populares, jogos de futebol, procissões, etc... Numa Sexta-feira Santa, fui designado para auxiliar  a polícia durante a procissão do Senhor Morto. No itinerário a percorrer, a procissão deveria passar em frente à cadeia. Nessa ocasião, de acordo com a tradição, a guarda do presídio, formada, apresentava armas.

              No momento em que o cortejo religioso fronteava a cadeia, a banda musical tocava a marcha fúnebre. As irmandades,rezando,seguiam os andores e o pálio onde estavam os sacerdotes. Nesse momento, houve uma coisa inusitada.  Que botou em pânico a multidão de fiéis.

            Um detento, famoso ladrão de cavalos, o Virgílio Valério, aproveitando o ensejo, tentou uma fuga espetacular. Rompeu o cadeado do xadrez. Ganhou um corredor e arrombou a porta dos fundos da prisão. Houve alarde. Um soldado desfechou-lhe um tiro de fuzil,  ferindo-o sem gravidade. Assim mesmo, sangrando, o preso correu. Atravessou o pátio interno da cadeia. E saltou um alto muro, ganhando a rua. Então, torceu o pé e foi apanhado pelos soldados.

            As sentinelas que estavam à porta, para assustar o fujão, dispararam suas armas para o alto. Foi um perepequê dos diabos. Um rififi danado. Gritaria. Correias. Desmaios. As irmandades dispararam e , o povo deu no pé. Os carregadores dos andores correram para a matriz, que estava próxima. Muita gente ao saltar a gradinha do jardim ( que vinha até onde estão o Cine Nelli e os Correios ) deixaram pedaços de roupas, ... Uma das minhas tias, que em adiantado estado de gestação, acompanhava o “enterro”, teve que ser levada às presas ao Hospital, em trabalho de parto . . . Foi uma coisa louca.

             O malandro do Valério, na “visita” da véspera, recebera a amásia. E esta, dentro de um pão, lhe entregara uma lima cortante, com a qual arrebentara a fechadura da prisão.

(Correio de Botucatu, 04/06/1970 )              

 

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