8 - OS LEVANTINOS  CHEGARAM

 

                   Corria o ano de 1892. Floriano Peixoto, com mão de ferro, governava o Brasil. Nessa época, um moço alto e magro chegava a Santos. E para Botucatu, boca de sertão, se dirigiu. Era ele João Miguel Rafael. Nascido no Líbano, na cidade de HAMAT.

                    Por que o moço libanês  escolheu Botucatu para seu campo de atividades? Porque já estavam aqui alguns patrícios e conhecidos, que prosperavam e diziam ser esta uma nova terra da promissão. Felipe Pedro, o Felipe Turco como diziam, era um deles.

                 João Miguel Rafael,  começou a lutar. Seguiu o ciclo de todo levantino imigrado.  O nosso amigo Dr. Marão, com boa dose de humorismo, costuma dizer que “como mascates os levantinos são turcos; estabelecidos com lojas viram sírios; e quando industriais ou do alto comércio, são libaneses”. João Miguel Rafael foi tudo isso. E hoje, falecido há bastante tempo, tem nome em rua da cidade.

                 No principio, foi mascate. Andava pelos sítios e fazendas, nesses socavões de serra, a cavalo ou na carrocinha, num dureiro danado. Tinha deixado a família no longínquo oriente. Quando melhorou de vida, mandou buscar a família – esposa e duas filhas. E  um belo dia, aqui aportaram dona Marta Salem e as mocinhas Mariana e Cáuca. Daí em diante, começou a segunda série da filharada :  Miguel ( que foi meu colega na Escola Normal ); Felício, o popular Tuffy, e o Alin Nelson; e as meninas Olga, Olinda e Djanira.

                  Montada a primeira lojinha, em 1893, na rua do Riachuelo ( atual Amando de Barros ), lá por perto do Capitão Manéco Fernandes Cardoso, João Rafael embalou. E logo mais, mudou-se para ponto mais central. Ao lado do sobrado de Miguel Cioffi, onde está a Agência do Banco do Brasil. No velho  largo de Santa Cruz, que hoje é praça Emilio Peduti, depois de ter sido praça Jorge Tibiriçá, Ataliba Leonel e João Pessoa, nomes que não pegaram.

                Em  1903, a “LOJA SÍRIA” estava no seu prédio próprio, construído na Avenida Floriano Peixoto. Onde está o Posto Esso. E as coisas progredindo. . .

                  Em 1928 surge a Casa Royal, localizada onde está a loja Riachuelo. E depois, no prédio MARTA SALEM, onde à noite funciona o “SENADINHO”. Estava completo o ciclo do libanês.

                Este “Senadinho” merece uma referência especial. Todas as noites na loja do Rafael e Irmãos, se reúnem  os amigos – Dr. Araújo, Antoninho Alves, Dr. Jayme de Almeida Pinto, Francisco Luizeto, Dr. Faé de Moura Campos, Rafael Serra, Dr. Martins, João Cury, Prof. Prado, e outros bambas da cidade. E ali, discutem e resolvem,  os magnos problemas nacionais e internacionais. . .

                No Velho Botucatu, já negociavam Felipe Pedro, os Cury, Jacob Mattar, Farhat, Zacharias, Karam, Jacob Aleik, José Abibe e outros patrícios todos falecidos. O Reverendo Simão Salem, dono de notável cultura humanista e religiosa, já andava por estas sertanejas paragens, no seu piedoso  mister. Géo Rafael, irmão de João Miguel Rafael, só muito mais tarde chegou a Botucatu, localizando-se na Vila dos Lavradores, onde sua família reside.

                  Em  1910, um acontecimento social, movimentou a cidadezinha. Despertou a curiosidade da brasileirada. Foi o casamento das senhoritas Cáuca ( com Elias Simão ) e Mariana ( com Jorge Abrão Rafael ). As bodas, conforme os costumes árabes,  foram de espavento. As festas duraram três dias: cerimônias religiosas, banquetes, cantorias,  danças . . .

               A família Rafael é católica. Mas, espiritualmente, não perdeu os vínculos com o Oriente. Há alguns anos atrás, visitou Botucatu um Bispo Ortodoxo. Pois bem, os ofícios então celebrados, o  foram na casa dos Rafael.

               Em 16 de junho de 1940, aos 75 anos de idade, faleceu o estimado comerciante botucatuense. Sua família,  continua em Botucatu. Hoje, como cabeça desses bons botucatuenses, está o Rafael João Rafael. Com a mesma e tradicional Casa Royal.

              Rafael, o sempre moço, foi Conselheiro Municipal, quando prefeitos os Srs. Manoel Deodoro Pinheiro Machado, João Baptista Correa de Mello e Carlos César. Foi também, durante longos anos, Juiz de Paz. Casou muita gente. Mas não se casou. É solteirão impenitente.

( Correio de Botucatu – 21/06/1970

 


 
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