21 - VELHOS TIRADENTES

 

                No tempo de Dante, a odontologia era simplesmente horrorosa. Pelo menos para os pacientes. Os antigos Tiradentes se limitavam a fazer pequenas chumbações, arrancar dentes e fabricar dentaduras. Estas,  eram enormes, pesadas, feias, grandes chapas que formavam calo no céu da boca. Os profissionais eram temidos. E, frequentemente surgiam complicações, infecções sérias, que constituíam um verdadeiro martírio para as pobres vítimas.

              Também eles não possuíam os recursos com que hoje os dentistas fazem maravilhas: boa anestesia, antibióticos e aprimorada formação técnico-profissional. A anestesia era a do “berrofórmio”, a famosa troncular lusitana, como dizia um humorista.

              O primeiro dentista formado a trabalhar em Botucatu, foi o americano Doutor Leonardo Yancey Jones, que aqui chegou após a Guerra da Secessão. Formado por uma Universidade Americana, em 1895 já trabalhava em Botucatu. Como não falava o português, valia-se do auxilio de um intérprete. Bom profissional. Revolucionou a ciência e a arte odontológica  então conhecidas. E, quando retirou-se para São Paulo, por volta de 1908, deixou fama de bom dentista.

             Depois do Dr. Jones, no princípio do século, aqui se estabeleceram os Drs. Olavo de Barros Monteiro e Aníbal da Costa Leite. Este,  filho do Dr. Costa Leite, terminou sua vida no Rio de Janeiro, como funcionário do Ministério da Marinha. Olavo Monteiro, depois de muitos anos de Botucatu, transferiu-se para São Paulo.

             Em 1912 mais ou menos chegou à nossa cidade o Dr. João Pereira Mello Moraes. Vinha do Rio de Janeiro. Bom profissional. Cavalheiro distinto. Ele e dona Gina, sua senhora, logo se constituíram em figuras de escol da sociedade botucatuense. Após quase vinte anos de Botucatu, realizado financeiramente, Mello Moraes se transferiu para Niterói. Na Capital do Estado do Rio de Janeiro, ele ia desempenhar cargo de projeção na Saúde Pública Fluminense. Mas o casal foi infeliz. Em 1930, uma epidemia de febre amarela varreu a terra de Araribóia. E o Dr. Mello Moraes e a esposa, foram das primeiras vítimas fatais.

             Se havia falta de dentistas formados, abundavam os práticos, que nem licenciados eram. Turíbio Vaz de Almeida, o cérebro eletrônico da cidade, conta que o Francês Samuel Levy, Joaquim César, Joaquim Lucas, Vitor da Silva, Mateuzinho da Ribeira, Augusto de Campos e alguns outros trabalhavam na praça e redondezas. Alguns, na cidade. Outros, nas vilas e povoações vizinhas. E outros, ambulantes, andavam pelas fazendas e bibocas sertanejas.

             Nhô Quim César (  Joaquim Rodrigues César Neto, filho do Tenente José Rodrigues César ), era considerado um bom prático. Cuidava de outras atividades e ao que parece era dono de uma fazendinha. Deixou os filhos  Aquilino, Eduardo, Josefina, Júlia (esta sogra do Ló Silveira), Júnia, Maria e José. 

             Joaquim Lucas tinha um gabinete bem montado. E trabalhava bem. Possuía boa clientela. Da perícia do homem, fui vitima certa vez. Ele me extraiu dois dentes. Sem anestesia e sem boticão. Foi na força dos dedões. Casado com a filha do Major Joaquim Maria Barreiros, não deixou descendentes aqui em Botucatu.

             Mateuzinho da Ribeira era irmão de Amador Bueno da Ribeira, o famoso boticário Amadorzinho, que foi político e Vereador durante largos anos. Mateuzinho, prático, era do tempo de Augusto de Campos, cunhado de Chiquinho Braz da Cunha, que também trabalhava na arte de fazer dentaduras e botar dentões de ouro na boca da caboclada.

            Vitor da Silva era dentista ambulante. Preto sabido, fora camarada de cometas, aqueles representantes comerciais que com tropas faziam as zonas sertanejas. Não se sabe como, o Vitor aprendeu a arrancar dentes e a fabricar dentaduras. Certa vez nas suas andanças pelos sítios e fazendas, arranchou na casa de um caboclo, sitiante nas bandas do Bofete. Montou a sua cadeira, arrumou a ferramenta, e botou a autoclave a ferver, preparando uma “chapa” para a esposa do seu hospedeiro. Às tantas, a autoclave  explodiu. Um estrondo terrível foi acompanhado pelas telhas que despencavam, arrancadas pela deslocação do ar. O dono da casa, assustado, berrou: “E o senhor ia botar esse troço na boca da minha mulher! Fora daqui!!!”

            Vitor da Silva  conseguiu formar um filho, pela Escola de Farmácia e Odontologia de São Paulo. O rapaz fez carreira na capital. Enquanto isso o pai continuava nas suas andanças pela roça, até que faleceu repentinamente em 1915, mais ou menos.

             Joaquim Benato foi o último dos velhos práticos que conheci ( dos que ainda estão na atividade, não cuidarei nestas evocações, que visam apenas coisas do passado ) Joaquim Benato era sapateiro e músico. Um dia tocou-se para a velha Prata ( hoje Pratânia, berço do escritor Francisco Marins ) trabalhando como dentista prático. Decorrido alguns anos voltou para Botucatu, onde instalou uma agencia funerária. Aqui faleceu, tràgicamente.

           Para fechar este capítulo vale a pena falar do Juquinha do Mamédio. Emverdade, era ele o Dr. José Paes de Siqueira. Conforme anunciava, dizia-se dentista formado por uma Universidade da América do Norte. Mas aqui, no velho Botucatu, era sempre o Juquinha, filho do Mamédio, um conhecido curador de cavalo, que costumava tomar uns pileques muito engraçados. O Dr. Siqueira,  cuidava muito de espiritismo. Diziam que tinha qualidades mediúnicas e era até vidente. Sua vida era cheia de altos e baixos. Algumas vezes apresentava-se com um gabinete bem montado, demonstrando prosperidade. De repente degringolava. E ficava voando baixo. Mudava de ares. Ia para São Paulo ou outras cidades. Mas acabava voltando.

( Correio de Botucatu -09/08/1970 )

 

 


 
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