24 -  CHICO  PADRE

 

                  No fim do século passado, a colônia portuguesa em Botucatu era grande. E prestigiosa. Seus membros se destacavam na lavoura e comércio. E na política. Os lusitanos exerciam cargos eletivos e executivos, como se brasileiros fossem. Era o tempo dos Pinto Nunes, Cardoso, Guimarães, Daniel Carlos, Villa do Conde, Joaquim Pinhão, Manoel Coelho, Luiz Pinho, Ferreira, Manoel José de Araújo Azevedo e seu irmão Bento Bernardo da Cunha e tantos outros. Um português havia no  entanto, que se destacava dos demais, pela sua cultura e atividades profissionais. Era Francisco Pinto de Gouvêa Almeida, o “Chico Padre”, nascido em 1868.

                  Francisco Pinto de Gouvêa Almeida ( só nos atos oficiais ), o popular Chico Padre, era Advogado Provisionado. Mas não era nenhum solicitador ou rábula comum. Era um notável advogado. Sua fama corria mundo. Não se formou em Portugal, nem na Corte, nem na tradicional faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Atirava poeira em qualquer bacharel, ou doutor de borla e capelo.

               Donde teria vindo essa alcunha de Chico Padre? Diziam ( palavra que não afirma e nem nega ), que o homem teria sido seminarista em Portugal. Cursara até o Seminário Maior. E isso devia ser verdade, porque possuía vasta cultura geral e profissional. Verificando que não tinha vocação para sacerdote, abandonou a batina. E meteu-se num escritório de advocacia lá na santa terra.

               Sentindo-se habilitado, imigrou para o Brasil, onde sobrava serviço e faltavam advogados. Veio para São Paulo. E botou banca em Botucatu. Grande comarca que tinha sido instalada em 1860. ( segundo Hernâni Donato, a primeira sessão de júri foi realizada no dia  06 de agosto de 1860 ) Advogado estudioso, trabalhador, inteligente, venceu largamente. E fez escola.  Muitos de seus antigos auxiliares, moços inteligentes, tornaram-se bons advogados. É o caso dos senhores Alberto da Rocha Lima e Agnelo Villas Bôas. Este advogado, já falecido, foi o pai de Orlando, Claudio e Leonardo, os famosos Irmãos Villas Bôas, sertanistas e indianistas, que operam nas florestas amazônicas.

               O Dr. Juvenal Bonilha de Toledo, quando recém-formado em São Paulo, praticou no escritório do famoso Chico Padre. Como era da época, trabalhava em todos os ramos do Direito. E até no Direito Criminal, fazia sucesso. Não sendo orador de largos surtos de eloqüência ( como Alcides Ferrari , Luiz Soares da Silveira ), conseguia brilhantes vitórias na tribuna do júri popular. Era um argumentador terrível. Um analista profundo. Que conseguia convencer o colendo Conselho de Sentença. Os réus, muitas vezes, eram absolvidos por perturbação dos sentidos dos Jurados, diziam as más línguas.

               Chico Padre era de físico minguado. De estatura mediana. Muito magro e pálido, dava idéia de fraqueza, quando na verdade era um forte nas lides forenses. Parecia distraído ( diziam os venenosos que era quando convinha ). Eu o conheci em 1918, quando fui copista do 1º Tabelião e Escrivão da Comarca, o meu pai Sebastião Pinto Conceição. Chico Padre era simples no trato. Não tinha aquela pose, tipo de figura de proa, dos figurões de pergaminho e anel de grau. Era amigo da minha gente. Não só por afinidades de trabalho, mas também porque meu avô paterno, o major Antonio Pinto Nunes, era português.

               Em política, Chico Padre era do PRP, partido único, repartido em facções. Amandista. Fazia parte do Diretório local. Exerceua Vereança várias vezes – de 1896 a 1899; re-eleito; depois foi Edil de 1911 a 1913. Neste ano licenciou-se e viajou para a Europa, onde permaneceu largo tempo. Regressando, abandonou a política, por estar doente. Era o Assessor jurídico dos chefes locais. Famosos ficaram alguns recursos eleitorais, em que, nos Tribunais, ganhou eleições perdidas nas urnas.

               Francisco Pinto de Gouvêa Almeida, muito moço, casou-se com uma botucatuense. Era ela a dona Suzana Dias de Castro, filha de Bentinho de Castro e de dona Alexandrina Dias de Castro, que eu conheci octogenária. Um seu cunhado, José Dias de Castro ( Nenê Dias ) foi meu tio por afinidade, pois casou-se com Maria Rita, filha do meu avô, o Capitão José Paes de Almeida. Chico Padre, que faleceu relativamente moço, em 13/06/1919, está sepultado em Botucatu. Deixou os filhos: Benedito, Francisco, Maria do Rosário e Alexandrina ( Pequetita ), esta falecida. Os demais residem em São Paulo. Benedito é cunhado do Professor Novelli.

               Até hoje, decorridos cinquenta e um anos de sua morte, Chico Padre é lembrado pelos que o conheceram. Falam da sua inteligência, da competência profissional, da malícia política, de  suas  excentricidades  : era um bom cidadão e um ótimo advogado. Por isso, na cidade, há a rua “Chico Padre”.

               Dona Suzana, sua viúva, faleceu em São Paulo, no ano passado.

( Correio de Botucatu – 20/08/1970 )


 
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