35 - NIGRO, GALUCHO E OUTROS BAMBAS DA NAVALHA

 

                    Hoje vou falar sobre mais alguns bambas da navalha. Não se trata de capoeiras, azes da navalha na carne e mestres no rabo de arraia. Trata-se dos velhos fígaros do passado e do começo do corrente século, na minha terra.

                    José Nigro era um jovem italiano, que chegou a Botucatu em 1890. Barbeiro. Montou seu salão, nos baixos do sobradão onde era o Hotel Arêas ( hoje Hotel Glória ). Logo se casou com  dona Clementina Nigro, irmã do conhecido sapateiro Francisco Grecco e tia do nosso amigo José Nicoletti. José Nigro abafou, como se diz em gíria. Seu salão tornou-se um dos maiores da cidade. E do tempo de Domingos Dorsa. Este, deixando Botucatu, se estabeleceu em São Paulo, na rua 15 de Novembro, com uma camisaria.

                     Naqueles velhos tempos, alguns barbeiros eram auxiliares dos médicos. Faziam sangrias. Aplicavam ventosas secas ou sarjadas. E bichas também ( sanguessugas ). E mais ainda. Extraiam dentes e abriam abscessos dentários. Daí aquele ditado : “Dói o dente? Vá ao barbeiro”. E essa coisa toda, era feita sem anestesia, e sem assepsia. Nesse tempo os ensinamentos de Pasteur só eram conhecidos pelos Drs. Costa Leite e Vital Brazil, e mais uns poucos iniciados em higiene. Usavam boticão. E na falta deste, uma chave inglesa servia. Ou um  torquês também.

                    José Nigro, morou uns tempos na Capital. Mas voltou para Botucatu, onde faleceu aos 87 anos de idade. Deixou viúva dona Clementina Nigro e os filhos: Gregório ( falecido ), Sílvio, Orivaldo, José, Detorina e Iolanda, sendo que estas últimas não residem em Botucatu.

                  José Nicoletti, a crônica viva de Botucatu é agora Fígaro aposentado. Nascido em 1894 na Itália ( Calábria ), chegou ao Brasil em 1899, sendo mais brasileiro do que eu. No ano 1902, já aprendia o ofício com o tio José Nigro, com o qual trabalhou longos anos. Quando José Nigro retirou-se para São Paulo, o moço Nicoletti estabeleceu-se por conta própria. Eu me lembro do seu salão nos baixos da casa de Adolfo Dinucci, onde era a Farmácia Cruz Vermelha ( de Domingos Cariola ). Depois é que ele se mudou para a rua Cesário Alvim, em sua casa própria,onde está o gabinete dentário do Dr.Zuccari.

                  José Nicoletti gostava de esportes. Nos velhos tempos do Sport Club Botucatuense, fundado pelo Dr.Jones, jáera torcedor e comentarista esportivo. Quando em 1918, Floriano Nunes, Laércio e João Prestes Villas Bôas, Vicente Leão, Michel Nacfur e outros esportistas, fundaram a Associação Atlética Botucatuense, Nicoletti estava sempre ao lado dos rapazes. E foi colecionando, anais, boletins, programas,  etc; formando um respeitável arquivo, base formidável para se escrever a história dos esportes em Botucatu. Além disso o homem sabe a história da gente botucatuense. Aos 76 anos de idade, muito lúcido, o estimado e popular cidadão botucatuense, é uma das minhas fontes informativas, para as estórias do Velho Botucatu. Ele e o cérebro eletrônico de Turíbio Vaz de Almeida, funcionam direitinho.

                 Casado com dona Gina Franceschini (filha de César Franceschini), tem os filhos: José Seraphim Nicoletti, negociante e Ex-Juiz de Paz; Ivo Nicoletti e Enid  Nicoletti. Todos residentes nesta cidade.

                 A família  Corvino é uma das mais antigas de Botucatu. Eu me lembro do velho Corvino, casado com a doceira Cristina, a popular Fresca.Tenho lembranças dos filhos, Antonio, José Carlos, Bruna, Ninucha e Carmela Corvino.Com quase noventa anos de idade, Antonio Corvino, veterano motorista, anda por aí, esbanjando bom humor e vitalidade.

                 Carlos Corvino, Carlucci ( o popular Galucho ), foi barbeiro. Trabalhando sempre na baixada, perto das Indústrias Bacchi. Faleceu há quatro anos, aos 74 anos de idade. Galucho, como vulgarmente,  era um número. Barbeiro, jogador de futebol, pescador, contador de histórias, não ligava muito para a profissão. Nos últimos tempos vivia mais  no Porto Martins,onde era uma espécie de cônsul, um faz tudo para a caboclada, para os pirangueiros que o estimavam. Lá no Porto Martins, de longe percebiam a chegada do Galucho, antes de apontar na curva da estrada. Era o barulho da lataria do seu calhambeque que denunciava a chegada do homem. Suas estórias de pescador, eram notáveis. Certa vez ele me disse :- “Peguei ontem um dourado como nunca tinha visto. Pesava vinte e sete quilos. E na boca tinha um rosário de 17 anzóis, das linhas que ele tinha cortado”. Com o Galucho aprendeu o oficio o mocinho Benedito Soares, que em 1916, já trabalhava por conta própria no Salão Soares, pegado ao Hotel Santiago, na Avenida Floriano Peixoto. Benedito Soares, casou-se  com uma irmã de Galucho. E o salão, por morte de Soares, ficou para Oswaldo Corvino, sobrinho e filho de criação do casal Soares. Hoje o referido salão não mais existe. Oswaldo Corvino, mudou a barbearia para a Vila Maria, montando o Salão Corvino.

                 Em 1910, eu me lembro, havia um barbeiro Antonio Scataglia, vulgo “Rápido”. O homem era uma coisa louca no ofício. Enquanto um rapazinho ensaboava o rosto de um freguês, ele raspava a cara de outro. Em cinco minutos ele aprontava o cidadão. E sempre falando:- Entra, senta, não demora. Num sábado, o Rápido fazia umas 50  barbas e uns dez cabelos. E uma báita féria.

( Correio de Botucatu – 22/10/1970 )


 
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