47 - O  LEÃO  VITÓRIO

 

              Nascido na região de Treviso, Itália, em 18 de maio de 1863, Leone Vitório chegou a Botucatu um pouco antes do que os trilhos da Sorocabana ( o primeiro trem que apitou na estação local, chegou a 20 de abril de 1889 ). Sendo entendido em trato de animais, encarregava-se dos bichos empregados na abertura da linha férrea, e tratava, também de animais doentes, fazendo medicina veterinária prática na região, onde ao tempo, a tração motor era desconhecida.

              Aqui, o jovem italiano casou-se com da. Fiorina Forti, do numeroso clã dos Forti, radicados na zona urbana e nos sítios da região, de Toledo e do Guarantã. Continuando sua atividade de veterinário prático, sempre morou em casas de vastos quintais e como atrás dos animais vinham seus donos ( Botucatu era então um movimentado fim de linha e cidade entreposto), acabou alojando uns e outros, tornando-se hoteleiro. Eu me lembro, no começo do século, do Hotel “Leão Vitório”, na Avenida Floriano Peixoto, ali onde reside o Dr. Miguel Losso. Era um casarão, assobradado, ostentando um enorme lampião na quina da casa.

              Notáveis eram os dotes culinários de dona Fiorina, cujos pratos ( e principalmente os molhos ) eram famosos na zona e na colônia italiana. A mesa de Vitório Leone, depois Vitório Leão, tinha sempre lugar para doze pessoas e, raramente ele admitia sentar-se sem a companhia de cinco ou seis amigos. Quando não os tinha, ia postar-se à porta ( há ainda quem se lembre de vê-lo debruçado sobre o muro do prédio da rua Cesário Alvim, ao lado da antiga Delegacia de Rendas ), para recrutar comensais. E o Chianti Rufino, Marsala Florio e outros vinhos, corriam abundantemente.

                Contava antigo carteiro, já desaparecido, saboroso episódio: - “Certo chefe político da zona, possuía belíssimo cavalo negro, com o qual ia pastorear seu rebanho político e dar um salzinho nos seus benquereres extraconjugais, lá p’ras bandas do afastado Lavapés. Às tantas, madrugadinha, cavalo e cavaleiro rolam por uma perambeira. O homem saiu do buracão, mas o cavalo não, parecendo que estava meio machucado. Pela manhã, mandaram chamar o Vitório. Este, chegou, viu e considerou a situação precária. O político não queria perder o cavalo, mas como tirá-lo? Era o que perguntava a pequena multidão de curiosos, onde se viam correligionários e adversários do manda-chuva. O que fazer seu Vitório?

               A resposta foi incisiva:- “Mandem um garrafão de vinho branco”. E diante da estupefação geral, completou:- “Vinho italiano, si capisce!” Naqueles tempos havia fartura de produtos europeus – vinhos, queijos, salames italianos, portugueses, espanhóis, alemães.

              Trouxeram o vinho. Vitório saltou para o valado. Abriu a boca do cavalo. E entornou-lhe largas talagadas, alternadas com as que  também tragava. À meio garrafão, montou o bicho, esporeou-o e de um salto o bucéfalo pulou para fora do valo. E o nosso herói diagnosticou:- “Faltava coragem p’ro pulo. Mas este vinho dá coragem até p’ra defunto . . .” Si non é vero . . .

               Vitório Leão também foi comerciante. Teve a primeira casa comercial de três portas, que a rua Curuzu conheceu. E isso foi motivo de orgulho para Vitório e para a cidade.

             Naqueles tempos, havia um clube muito original, existente em Botucatu:- “I TRENTA TER CONTENTI”. Parecia inspiração maçônica, mas não era. Os “acadêmicos” eram escolhidos pela apreciação da poesia ( italiana, já se vê, que nenhuma outra lhes era familiar ou digna ), pela capacidade de apreciar vinhos, queijos e salames ( tudo importado ). As reuniões começavam ao cair da noite e terminavam com o dia claro. O clube funcionava, a princípio, nos fundos do prédio onde está a Padaria Esmeralda na Praça Coronel Moura, e depois, em uma casa muito curiosa existente no meio do jardim fronteiro ao Cine Avenida.

             Frequentemente as discussões em torno dos méritos de Páscoli sobre Metastásio, ou de Ariosto sobre o D’Anunzio, conduziram a argumentos mais sólidos, resultando contusões e dissabores. Numa dessas quentes reuniões, o Vitório ficou colega de Camões, perdendo um olho . . . O clube terminou quando um pretendente à cadeira do sodalício, foi recusado pela terceira vez ( bola preta no frasco de Chianti esvaziado ) e invadiu orecinto a tiros.

               Quem me contou estas coisas, que eu apenas passo adiante, disse que Túlio Técchio foi a causa mortis do espiritual grêmio. . .

              Diziam as más línguas, que findas as reuniões do clube, pela madrugada, um velho carroceiro era encarregado de entregar a domicilio, alguns consórcios adormecidos. . .

( Correio de Botucatu – 11/01/1971 )


 
<< voltar