82 - VITAL  BRAZIL   EM  BOTUCATU

  

               Em 1865, em Campanha, Minas Gerais, nascia um garoto que no futuro seria um dos beneméritos da humanidade. Seu nome: Vital Brazil Mineiro da Campanha. Tinha um irmão, chamado Oscar Americano do Brazil. E o pai não tinha nem um desses sobrenomes. Formado em Medicina pela Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, o jovem Dr. Vital Brazil, veio tentar a vida no Estado de São Paulo. E, em 1895 estava em Botucatu. Na cidadezinha, boca de sertão, já encontrou o Dr. Costa Leite, baiano, pioneiro da zona sertaneja. Ambos atendiam a vasta região, totalmente desprovida de recursos médicos.

               Em Botucatu o médico mineiro iniciou pesquisas sobre o ofidismo. Conhecendo os trabalhos de Calmette sobre a cobra naja, da Índia, verificou que o soro do sábio francês era ineficaz para o veneno das cobras brasileiras. Vital Brazil partiu, pois, para a descoberta de um soro especifico. Que salvasse os picados pelas cascavéis, urutus, jararacas, coatiaras, e outras que viviam nos campos, matas e lavouras, ocasionando elevada mortalidade.

               Enquanto mourejava na dura clinica do sertão, o moço cientista, continuava  nas suas pesquisas. Meu avô Antonio Pinto Nunes, farmacêutico  na Capela do Divino Espírito Santo do Rio Pardo, era um dos fornecedores de cobras para seus estudos. E a vizinhança vivia em pânico com a presença de tantas cobras no quintal do Dr. Vital. . . Para terminar suas experiências, em 1897, o Dr. Vital Brazil transferiu-se para São Paulo. Foi trabalhar no Instituto do Butantã, recém-fundado. E lá, conseguiu fabricar o soro maravilhoso. Hoje, discípulos e continuadores de Vital Brazil dirigem institutos de  anti-venenos em vários países. São técnicos capazes, que demonstram a obra sem similar realizada pelo Brasil e não encontrada nos mais ricos e civilizados países do mundo.

               Em Botucatu, o Dr. Vital Brazil formou ao lado do inolvidável Costa Leite, quando da construção da Misericórdia local. Foi secretário da novel instituição. Muitas atas da Diretoria,  foram por ele assinadas e redigidas. Não pode, no entanto, assistir à inauguração do Hospital, em 1901. Já residia, há anos, na Capital, onde realizava suas pesquisas. Mais tarde, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Em Niterói, fundou o Instituto Anti-Veneno que tem o seu nome e que abastece o nosso continental país (com o Butantã, também) salvando milhares de vidas, de vítimas das serpentes.

               Dr. Vital Brazil era profundamente religioso. Protestante. Crente, refutava as idéias materialistas que muitos médicos costumavam defender. Lia constantemente a Bíblia. E nas suas andanças pelas fazendas e vilarejos, não deixava o Livro dos Livros. Um episódio curioso de sua vida de médico, me foi relatado há pouco tempo: “ A família Souza Nogueira, evangélica, morava numa propriedade agrícola um bocado distante da cidade. Certo dia, a dona da casa, entrou em trabalhos de parto. E a coisa complicou. Resolveram chamar o médico da família, que era o Dr. Vital Brazil. Mandaram um próprio buscá-lo. E até que ele recebesse o recado, preparasse o cavalo e iniciasse a viagem, decorreu largo tempo. Ao chegar à fazenda, o moço médico, percebeu que algo de grave  deveria ter ocorrido. Ambiente de tristeza. Choros. Sinal de morte. Apeando-se, foi logo indagando sobre o que ocorrera. Queria saber se a parturiente estava morta. Então responderam : “Doutor, a  mãe está viva, mas a criança morreu”. O Doutor Vital Brazil, muito calmo, perguntou: Onde está o natimorto? Mostraram-lhe o anjinho, que estava sendo preparado para o enterro. O Dr. Vital aproximou-se. Examinou atentamente o feto. E largou a bomba: “Esta criança não morreu, está viva”. E, imediatamente, começou a fazer as manobras de reanimação,fazendo o bebê respirar, para alegria dos circunstantes. E depois, foi cuidar da parturiente, que, sã e salva, chorava de alegria”

                 O bebê ressuscitado, é o hoje o cidadão Brazil de Souza Nogueira, de setenta e cinco anos, Diácono da igreja Presbiteriana Independente de Botucatu. Forte, rijo e lúcido, ele está aí para contar o interessante caso, que lhe valeu o nome de Brazil, em homenagem ao mineiro de Campanha. . .

              O Dr. Vital Brazil falecido não há muito tempo, deixou filhos botucatuenses. Um seu filho, o Dr. Vital Brazil Filho, meu Professor na Faculdade de Medicina, faleceu prematuramente. Foi vitimado por insidiosa moléstia adquirida no decorrer de suas experiências sobre imunologia. Naquele tempo, há uns trinta e tantos anos, não havia os recursos que a medicina atual oferece para combater as moléstias infecciosas.

              Uma rua botucatuense, tem o nome do Dr. Vital Brazil. É justa homenagem ao cientista, ao médico, ao homem que tanto lutou pelo bem dos seus semelhantes.

 

( Correio de Botucatu, 15/09/1971 )


 
<< voltar