92 - O   VELHO   MIGUEL   RIBEIRO

 

                Eu era menino e já ouvia falar no velho Miguel Ribeiro. Lembro-me bem. Era um homem enxuto. Cabeça branca e barba rala. Estatura meã. Falava mansamente. E tinha uma grande disposição para o trabalho. Muito estimado e popular na cidade. Era pau para toda obra.

               Sua atuação era notável no lidar com os mortos. Um dos seus trabalhos era conduzir para a última morada, num carrinho puxado por velho burro, os indigentes falecidos na Misericórdia. Acompanhava quase todos os enterros, fossem ou não de seus conhecidos os corpos a enterrar. Auxiliava os coveiros na hora de baixar os corpos à sepultura. Bastava ouvir os dobres fúnebres do sino na matriz, o velho Miguel Ribeiro, onde quer que estivesse, largava tudo que estava fazendo e se mandava para o campo santo. Para executar sua piedosa tarefa, já uma tradição da cidade. Nessa ocasião, era fatal o discurso do João Andreólli. Este, um pintor italiano, não deixava por menos. Ninguém podia ser sepultado, sem primeiro ele pronunciar a oração fúnebre. João Andreólli não precisava conhecer a VÍTIMA. Para qualquer um, lá vinham as considerações filosóficas sobre a vida e a morte, e um panegírico sobre o finado, às vezes um pobre diabo desconhecido. O que o homem queria era falar e ser ouvido. . .

                Ainda no cemitério, Miguel Ribeiro realizava outra tarefa. Corria os renques túmulos e dos mais enfeitados, ia retirando muitas flores, para cobrir humildes sepulturas, sepulturas rasas, as tumbas da vala comum. Era assim, o bondoso ancião. Piedosamente, puxava os terços nas novenas ou rezava nos velórios do bairro. Era ele ainda, que dava banho nos defuntos, vestindo-os para a derradeira viagem.

                Miguel Ribeiro, quebrador de galhos da pobreza, fabricava os caixões mortuários  para os sem recursos. E isto sem cobrar um vintém. Era ele, quem dava um jeitinho, para realizar casamentos de mocinhas que davam um mau passo, tramando os pauzinhos com os interessados. . . Com suas boas amizades, ajudava os amigos nos apuros.

               Tinha fama de curandeiro. Trabalhava com orações e mezinhas. Preparava garrafadas que eram porretes para sífilis e doenças venéreas ( em ambos os sexos ), reumatismo, certas fraquezas masculinas, e outras macacoas. Era comum encontrá-lo nos campos e matas, buscando raízes, frutos e flores das plantas medicinais que bem conhecia. Com isso, gratuitamente, aliviava padecimentos e dava esperanças aos fracassados. . . .

               E de que vivia o homem? Do seu trabalho braçal. Das suas habilidades como seleiro. Exímio fabricante de laços, era um artista nos trabalhos de couro. Trançador afamado,  fazia coisas com couro de anta, de boi e outros animais. 

              Miguel Ribeiro era de Minas Gerais. Atraído pela fama e progresso da zona de Botucatu, já casado, aportou a estas paragens, mais ou menos em 1868. Aqui viveu a maior parte de sua vida. Criou a família na escola da honestidade e do trabalho. Trabalhador braçal,  socava taipa e fazia casas.De enxadão e picareta, abriu quilômetros de valos. Estes,  serviam de divisas de sítios e fazendas, pois na época era desconhecido o arame farpado. Lá pras bandas da USELPA, nas terras que foram de Bráz de Assis, ainda se encontram vestígios desses valados. Por vezes, o bom mineiro tropeava ou carreava, em carros de bois, sal e ferragens, gêneros alimentícios e fazendas, etc..., para abastecer o sertão. Eram gozadas as histórias que contava, de suas andanças pelo mundo.

             Miguel Ribeiro, enviuvando, octogenário, foi residir em Itatinga, com familiares,  vindo a falecer em 1920. Do seu casamento com Cherubina de Almeida Campos, deixou os filhos:- Manoel, falecido em Sorocaba aos noventa e tantos anos; Joaquim, solteirão, que no fim da existência se casou com Carolina Perna Grossa, uma gaúcha de espavento, que fizera furor no Velho Botucatu; José; Lídia, casada com José Paulo Mariano; Ana Ribeiro, que em segundas núpcias se casou com o popular fogueteiro João Homem; e Orquísia, casada em segundas núpcias com o lusitano Alípio Ramos, morador do Velho Botucatu. Todos os filhos são falecidos. José Ribeiro foi casado com d. Benedita Cotrim Ribeiro, também falecida. Deixaram numerosa e ilustre descendência. Dez filhos. Todos formados. São eles: Dr. Nelson, Professor e Advogado; Prof. Olavo; Prof. Rafael; Dr. Trajano, Professor e Advogado; Prof. Afonso Celso; Profas. Nair Ribeiro Dágola; Maria Aparecida R. Calsolari; Amélia Ribeiro Galvão; Nilsen Ribeiro Fragoso e Cecília Ribeiro Delamano. Dona Benedita Cotrim Ribeiro, por seus dotes de esposa e mãe, foi considerada há tempos, a “MÃE DO ANO”.

              D. Orquísia, dos seus dois matrimônios, houve as filhas – Albina, viúva do Dr. Joaquim O. Cesar; Teresa, casada com o Sr. Geraldo Monteiro; e Professora Anita Martins Ramos.

             Dos filhos de João Homem ( seu Nico, popular despachante ), Cherubina, Rosa, Remígio e Pedro – o último, Pedrinho Homem, foi meu companheiro no Batalhão “Fernão Salles”, na Revolução de 1932.

             Netos, bisnetos, trinetos  e tataranetos do velho Miguel Ribeiro, povoam o solo paulista, que ele, na sua humildade, soube tão bem servir.

 

( Correio de Botucatu – 10/11/1971 )


 
<< voltar